Disseram-me que o ano começou com Plutão em Sagitário e que este planeta com nome do cão do Mickey, versão XXL se desloca devagarinho, o que faria muita coisa mudar durante o ano da Odisseia. Ouvi e não me atrevi a dizer nada. Nestas coisas de astrologia o melhor é não contestar se não chamam-nos incrédulos. Pois agora, contas feitas, tiro o meu chapéu a essa previsão. Não me lembro de nenhum outro ano tão cheio de mudanças.
Começou em grande tensão. durante os dois primeiros meses corri entre o hospital, os Bancos de Urgência, a Edipim (a gravar o Guia Dia-a-Dia), as aulas que dou na Faculdade e o estudo para o Concurso de Saída da Especialidade. Nem me quero lembrar disso.
Tempinho atribulado! Lá fiz o concurso e veio a primeira decisão difícil do ano - sair ou não sair do Hospital. Saí.
Balanço feito - não estou nem um nadinha arrependida. A Psiquiatria é fascinante mas posso exercê-la em condições bem mais agradáveis e sem a precaridade do serviço hospitalar.
Outra grande mudança foi ter começado a acordar com o Programa da Manhã. Eu explico: Detesto manhãs, ou melhor, tenho um acordar muito desagradável para o próximo. O mau humor impera sem tempo definido para desaparecer. Habituei-me a acordar com sons de passarinhos ou com a rebentação das ondas do mar, numa desesperada tentativa de prolongar o bem-estar do sono. Mantinha-me em silêncio e só ligava o rádio já no carro (desde sempre na Comercial, claro, e, claro também, ficava mais bem disposta). Ora acontece que por aqueles dias, não tinha de sair de casa logo pela manhã e o "Síndrome de Abstinência do Programa da Manhã", começou a gritar pela próxima dose. Tive de ceder e substituir o CD da mãe natureza pelos acordes da Rádio Rock. Parece exagero, mas garanto que para mim foi uma enorme mudança.
No mês seguinte terminei as gravações do "Guia Dia-a-Dia" (nova mudança) e em Abril comecei a trabalhar na privada (mais outra). Nunca me tinha sobrado tanto tempo e soube-me muito bem passar horas sem fazer nada. Ler os livros que nunca tenho tempo de ler, ver os filmes que nunca tenho tempo de ver e sobretudo dormir as horas todas que me apetece sempre dormir (abençoada mudança).
Mas a preguiça não podia durar muito tempo e para além das aulas e da psiquiatria fui trabalhar na Clínica Francesa (sim, mais uma!).
Em Maio estive de férias em Cuba e em Agosto casei, mesmo a sério, com o meu "namorido" de há 5 anos, que me atura como ninguém e que suportou estoicamente as muitas oscilações de humor que todas estas mudanças (e outras que não vale a pena contar) implicaram. Merci mon amour! (de todas, a mudança mais fácil, só mudou o estado civil).
E preparava-me para uma simpática Lua de mel em Novembro, quando, sem mais nem ontem, recebo uma mensagem do Pedro Ribeiro que, mais uma vez, mudou tudo. Lá vim eu parar à rádio. Aliás, ao que eu considerava o melhor programa da melhor rádio do planeta.
Onde é que eu já ouvi isto?
Não fui de Lua de mel (mas vou em breve! Espero!). Fiz umas feriazitas apressadas em Cabo Verde e comecei a trabalhar com 3 das mais adoráveis pessoas que conheço. O Pedro Ribeiro, o Nuno Markl e o Bruno Santos. E não digam que passo o tempo a tecer-lhes elogios porque é, sem dúvida, um enorme privilégio estar com eles.
Já que é um balanço posso pesar também os agradecimentos ao longo de 2001 e fico sempre devedora ao Pedro que se lembrou que eu podia fazer parte da equipa.
Provavelmente não era nada disto que se pretendia com o meu balanço, mas sim falar de música. Pois bem, comecei o ano com os U2 - "All That you Can't Leave Behind" e é-me difícil escolher uma canção deste disco fantástico. "Beautiful Day", "Stuck In A Moment You Can't Get Out of", "Kite", todas me trazem boas recordações. Não deixa de ser curioso que os temas me agradem, num ano em que o último planeta do sistema solar, Plutão, nos impunha deitar fora o que já estava gasto e avançar para novos projectos sem olhar para trás. Se tiver mesmo de escolher, talvez "Walk On", por isso mesmo.
Os Bush, atingiram o seu "Golden State" e os Life House foram merecidamente (a meu ver, claro!) aplaudidos pela Rolling Stone com "Hanging By a Moment", uma das canções da minha vida. "Drops of Jupiter (Tell Me)" dos Train, já ouviram bem as palavrinhas todas? é "celestial", combina com a conjuntura astrológica que pelos vistos impõe a ordem e a desordem ao longo do ano.
Finalmente, rever, ou melhor, reouvir a carreira dos Pink Floyd e dos Cure foi agradável e nostálgico.
Não posso concordar mais com o Nuno Markl e sublinhar o filme "Le Fabuleux Destin d'Amelie Poulain". Uma deliciosa chamada de atenção para os pequenos prazeres da vida, feito com uma finesse e inteligência impares. Nada melhor para acabar o ano em que o mundo se desmoronou. Cairam tantas coisas (pontes, torres, aviões, países, governos, moedas...) que cheguei a duvidar se a posição do homem era mesmo erecta ou se andávamos há uns anos a contrariar a natureza.
Mas parece que duvidar prova a existência (já dizia Santo Agostinho, no sec. V d.C.., tentando combater o cepticismo da sua época) e que já que cá estamos, que estejamos bem.
E está-se melhor quando relativizamos as quedas e apreciamos os prazeres.
Balanço de 2001 - Como os dos meus 30 anos que o antecederam - "Num fundo todo negro há sempre um pontinho branco!" E é por ele que me bato!
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